Professores da Rede Estatual: Trabalho análogo à escravidão?

Uma das maiores perdas provocadas pela era digital é a conquista da referência formativa da pessoa, na construção da sua idoneidade, ética, humanidade, solidariedade, cooperação, pelo aniquilamento do protagonismo dos professores do ensino básico, fundamental e médio, produzida pelo modelo de gestão estatal burocrática-centralizadora.

No atual panorama da realidade presente, as instituições dotadas de múnus público Institucional, como é a docência pedagógica e a advocacia, passaram a ser desprezadas como vítimas da quebra da cultura tradicional, como se o Estado na sua política de dar milho às galinhas, desse um pote de ouro para uma sociedade, que sem desenvolvimento humano, o usa como lata de lixo sem qualquer valor, sob intenso desprezo.

O aniquilamento do munus público institucional, começou em 1999, pela iniciativa da União Europeia, a grande “Cidade dos Negócios”, em impor pela Convenção de Bologna, o abandono do desenvolvimento da humanidade institucional, para colocar em seu lugar, o ensino corporativo.

Ou seja, a cultura atual é a de limitar-se no comprar, vender para alcançar o ápice do lucro, sob o eufemismo de se “bater metas”, podendo ser constatados hoje, sem qualquer, surpresa nos comportamentos atuais de governos autointitulados de direita, ultra-direita e esquerda que compõem uma única farinha de egoístas, racistas, individualistas, administrando as barbaridades urbanas, sob corrupções em todas as áreas administrativas, porque todo o motor do mundo atual, está na avidez da linguagem traçada pela Convenção de Bologna, de se obter algum lucro para si, para a sua turma, ou, para a sua família. O que vale é o quanto se lucrou com isso, pouco importando o quanto isso pesou, como testemunhamos na crise humanitária de Gaza.

Esta mesma linguagem, como uma grande enchente, a partir de 2016, vem matando por afogamento, os últimos respiros da Educação Institucional e, aqui, por estarmos no Estado de São Paulo, nos referimos a Rede Estadual da Educação de São Paulo, que implantou um sistema de administração escolar ultra corporativo, o da gestão de desempenho, sob a retórica política da "meritocracia".

A exemplo do que ocorreu no fenômeno da pandemia, em que se teve de mudar de uma hora para outra os processo de ensino, da sala de aula de ambiente físico para online, cujos enormes prejuízos são computados hoje, assim, também foi imposto pelos governantes nas escolas, sob o despreparo de seus gestores, o modelo de gestão de desempenho, sem considerar que ele ainda é instável dentro das próprias corporações privadas que o utilizam, e, que dentro delas, quando se aventuram a aplicá-lo, o fazem de forma cooperada, isto é, forma participava com olhar de igual para igual, ao contrário da administração pública que vê unidirecionalmente de cima para baixo pelo seu modelo centralizador.

Assim, diferentemente, o Estado sob a demagógica etiqueta de se vestir da "modernidade das corporações', implantou o modelo privado da gestão de desempenho, no entanto sob a velha ginga, do estilo de administração de liderança centralizadora e da burocracia estatal, criando uma quimera administrativa, cujo modelo impõe aos subordinados todo o tipo de exigência de cima para baixo, sem qualquer contra-prestação de capital humano, daí perguntamos aos professores: Teu trabalho não parece análogo ao da escravidão?

Para uma análise serena da situação, primeiro vamos entender o que é considerado trabalho análogo à escravidão no tempo atual, pelo conceito dado pelo Conselho Nacional do Ministério Público:

O que é o trabalho escravo contemporâneo?

Na legislação brasileira, o artigo 149 do Código Penal prevê os elementos que caracterizam a redução de um ser humano à condição análoga à de escravo. São eles: a submissão a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas, a sujeição a condições degradantes de trabalho e a restrição de locomoção do trabalhador (Conselho Nacional do Ministério Publico, Disponível em https://www.cnmp.mp.br/portal/institucional/conatetrap/trabalho-escravo. Acesso em 19 out. 2024.

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Porque pensamos que a resposta do professor será SIM?

a) Porque o professor é submetido a um horário contínuo diário de 9 horas de trabalho, não havendo oportunidade de desvinculação para descanso, mantendo-o ativo em atividades diretas e indiretas ainda que dentro de seu horário de almoço, e se tornou proibido se falar em descanso entre as aulas, de 45 minutos, aliás também, se tornou proibido falar em se dar aula usando uma cadeira para se sentar, estando continuamente sendo fiscalizados por câmeras dentro das salas de aula.

b) Porque o professor não pode ter falta, se o professor sofrer um acidente de trabalho e precisar tirar uma licença médica, e apresentar uma atestado médico  de mais de 1 dia, será tabulado como desmérito e sofrerá penalização na sua meritocracia, mantendo-o sob tortura mental, com o efeito da sua saúde mental diante do comprometimento da saúde física do professor que não pode dar aula, e além das dores naturais, há a dor na alma causada pelo controle meritocrático, lembrando o piloto Felipe Massa, no acidente em que uma peça lançada pelo fórmula a sua frente sobre o seu rosto, quando despertou no leito do hospital, reagiu como se ainda estivesse dentro da pista pilotando o carro para qualificar o seu tempo de largada.

c) Porque o professor não tem o direito de descansar após as 9 horas de trabalho, mesmo que a Sociedade (por enquanto, porque a Emenda Constitucional 103/2019, já começou a abolir suas conquistas), considera a docência do ensino preparatório para a graduação, como uma atividade especial em razão da insalubridade causada pelo esforço no trabalho com crianças, concedendo-lhe aposentadoria especial.

d) Porque é convidado (por constrangimento regimental escolar do corpo central das Secretarias da Educação), a se submeter depois de 9 horas de trabalho, durante o horário que seria, o de se ter vida como gente comum, a se submeter a incontáveis cursos para se atingir a burocrática, unilateral, metas meritocráticas da gestão de desempenho, lembrando o sinismo dos chefes quando diante dos suplícios pela massante carga de trabalho do funcionários costumam lhes perguntar: o que você faz da meia-noite às seis da manhã?

e) Porque, depois das 9 horas de trabalho, mais um hora de curso, não bastou ainda, é preciso que o professor atualize os registros do sistema e, claro, prepare as aulas, para o dia seguinte, o que o manterá entretido por, pelo menos mais 2 horas de trabalho, avançando na noite, porque as aulas têm de atender as determinações centralizadoras que produzem efeitos midiáticos para propaganda corporativas, pois a autonomia do docente em sala de aula já foi sepultada há muito tempo.

f) Porque a enorme carga de trabalho imposta por um regime centralizador e burocrático disfarçado do nome "politicamente correto" mas, doloroso de "meritocracia"  impôs a cada professor, submetido a esse regime, uma carga horária efetiva, media de 11 horas diárias de trabalho, 5 dias por semana, que não é suficiente, obrigando o professor a comprometer o descanso semanal, no final de semana, cuidando dos detalhes que não conseguiu resolver na correria cotidiana, ou antecipando a carga da próxima semana.

g) Porque os gestores sem a preparação da doutrina das corporações privadas na gestão descentralizada, orientados para seguir um modelo centralizador-burocrático, sob o crivo da linguagem corporativa de “tenho de fazer o meu trabalho”, não apresentam qualquer preocupação com o capital humano, e executando tudo dentro do roteiro burocrático para bater as metas e ritos de "boas práticas de gestão", ao custo da destruição de todo o sonho e profissionalismo do docente ao lhe impor avaliações subjetivas, antiéticas, degradantes sem qualquer constrangimentos aos efeitos do assédio moral.

Conclusão

a) da perda do múnus público da Docência Pedagógica

Há jornada exaustivas de trabalho sob condições degradantes, impostos pela burocracia-centralizadora estatal no fórceps da meritocracia, pela operacionalização dos instrumentos de avaliação aplicados sem que os operacionalizadores estejam devidamente preparados, vinculados somente à hierarquização do modelo burocrático-centralizador do Estado, sem a obediência aos princípios básicos da ética no respeito à dignidade do ser, com o capital humano, no processo colaborativo da produção de serviços, tornando viva a demagogia de “coisa para inglês ver” os princípio da própria Lei instituidora do regime, Lei 16.279/2016 que aprovou Plano Estadual de Educação de São Paulo para o período de 2016 a 2026 em seu Art. 2º quando diz:

Artigo 2º - São diretrizes do PEE:
II - universalização do atendimento escolar;
III - superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação;
IV - melhoria da qualidade da educação;
VI - promoção do princípio da gestão democrática da educação pública;
VII - promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do Estado e do País;
VIII - valorização dos profissionais da educação;
IX - promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade étnico-racial e à sustentabilidade socioambiental.

Destacamos aqui sobre entre os demais acima, que a sustentabilidade socioambiental inclui de acordo com a organização do trabalho atual, o ambiente de trabalho, aplicando-se o Art. 225 da Constituição Federal que dispõe:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (incluímos a dignidade do Professor e a sua autonomia no exercício da docência), bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (incluímos o professor como gente que também tem vida própria fora da escola), impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

b) dos resultados da processo educacional entregues à sociedade sem desenvolvimento humano.

A educação que o Estado pretende dar afinal na sociedade, é a de que cada um tem de defender o seu, “fazendo o seu trabalho’, as vezes até se debatendo a defesa do seu egoísmo pela legalização das armas, a fim que seja garantido o seu lucro como meio de “ser feliz” sepultando-se os princípios que regem a humanidade do ser, na colaboração mútua, solidariedade e sociedade justa.

Dizemos isso, sem qualquer constrangimento, diante da elevação do grau de maldade, ódio e barbáries que regem o cotidiano diário, no dia a dia entre os cidadãos de qualquer classe social, e testemunhando os extremos como na anarquia do Haiti, que passou a ser governada por guetos.

Na visão dos governantes, dentro da sua mentalidade corporativa,  isso é um lucrativo campo a engordar capital político, pois, vão gastar enormes horas nas campanhas com retóricas de política de segurança, com repressões policiais, quando deveriam retornar as conquistas do desenvolvimento humano que a educação produz.